quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Paródia á Charles Dickens


Estava deitado em minha cama esperando o sono chegar, como todas as noites, embora fosse noite de um feriado qualquer. A luz completamente apagada, brilhava apenas uma fresta na janela. Até o momento em que surgiu uma pequena luz amarela na parede, parecia outra fresta, mas começou a crescer, parecia se aproximar.

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De repente num súbito, vi o vulto completo, tinha a forma de um homem, onde não conseguia definir a idade nem o tamanho, sabias apenas que era um homem. Este apresentou para mim como sendo o Espírito do Passado, sem ao menos dar tempo de eu pensar que aquilo era verdade ou algum sonho, o homem vulto me pegou por um braço e me prendeu com as duas mãos na costas e saiu voando rapidamente em direção a outra parede do quarto. Não sei bem como tudo aconteceu, lembro apenas de aparecer flutuando dentro do grande mercado da cidade, e abaixo de mim estava eu, passeando por lá. Era dia e anda calmamente, até de repente colocar algo da prateleira em minha bolsa, num flash vejo a mesma cena, mas em outra prateleira, mais um flash e a cena se repete em outro mercado.  A primeira cena foi em uma data recente, mas a cada flash a data andava mais para o passado. As cenas foram ficando tão rápidas que não mais conseguia distinguir o que estava roubando, quantos anos tinha ou em que mercado era. Apenas fechei os olhos.
Quando abri os olhos ainda estava pairando no ar, mas desta vez estava em um quarto quase sem moveis, parecia um hotel, embora estivesse sujo, e fedido. Vi-me deitado em uma pequena cama, algo se mexia embaixo do cobertor, e surge uma cabeça, eram cabelos femininos e não eram da minha mulher. Em um instante a lembrança me veio à cabeça como uma faca em meu abdome. Como pude fazer isso? Trai a minha mulher com uma prostituta do subúrbio. Como pude fazer isso? Sentia nojo, vontade de vomitar. E ainda flutuava naquele quarto sobre a cama, fechava os olhos e quando abria sentia o desejo do suicídio. Só conseguia pensar o quanto sou sujo, o quanto merecia a desgraça, pude ver claramente que o melhor para mim e para todos era que devia morrer.
Fechei os olhos, não conseguia parar de chorar, tomei a decisão consciente que vou livrar o mundo de minha vida, vou privar a sociedade de tal repugnância, abri os olhos. E mais uma vez estou de volta ao meu quarto, em minha cama, tudo escuro. A sensação de podridão ainda estava em mim, chorava desesperado, embora silenciosamente, não tinha o costume de me expressar tão avidamente. Aos poucos o coração foi diminuindo o ritmo, as lagrimas caindo mais devagar e resolvo encostar a nuca no travesseiro.

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A lâmpada acendeu, se ninguém ligar. Não era a lâmpada e sim uma luz branca no teto. A luz foi se expandindo ate tornar o formato quadrado do teto. Esta luz tinha a consistência de um liquido, e iluminava todo o quarto bem nitidamente. Embora o liquido se movimentasse o tempo todo vi formar um grande rosto que disse apenas “Sou Presente”. A luz inconsistente parou, os olhos estavam voltados para a mesa do quarto onde ficava o computador. Ajeitei-me na cama e olhei melhor o computador, tinha uma luz pequena, verde. Isto indicava que ainda estava ligado, lembrei que tinha deixado funcionando, pois estava baixando um filme e poderia demorar a noite toda. Era um filme pornográfico, não sabia o titulo ou se tratava de lésbicas ou pedofilia, apenas tinha encontrado em um site com as fotos mais grotescas possíveis sobre sexos.
Aos poucos fui me lembrando das cenas que já tinha visto no computador. Homens gordos e barbudos fazendo sexo com crianças, mulheres com animais, e muitos mais imagens veio a minha cabeça. Sentia que quanto mais horrível, mais me interessava. Não queria mais ver aquilo, mandei parar, repeti varias vezes “PARA”, mas as fotos se multiplicavam em minha mente. Olhei para o teto e passei a implorar para o espírito branco, que se mantinha parado todo o instante. Olhando para a luz mais fixamente percebi que sua face estava voltada para o outro lado do quarto. Prestei mais atenção, para aquele canto, tinha algumas roupas jogadas, bolsas velhas, caixas de papelão. Sim eram as caixas que aqueles olhos estavam fixamente apontados.
Faz cinco anos que trabalho num cartório municipal, e lá tenho acesso a todos os documentos sobre toda a superfície terrena da cidade. Era apenas alterar um nome ou um endereço que podia tornar terreno público em terreno particular. E é assim que me sustento faz algum tempo.
Neste momento não sentia mais repugnância a mim mesmo, passei a sentir raiva, ódio. Não me via apenas tirando dinheiro do cofre público, mas tirando dinheiro de famílias pobres, senti como se tivesse roubado um pouco de cada casa da cidade, de cada pessoa. Não merecia apenas morrer, mas ser humilhado na frente de todos.
Ah, porque Deus me fez nascer, porque existo. Nunca senti tanta dor. Não é a dor da morte ou dor da desgraça, é a dor da culpa, não existe coisa pior. Aquele choro se transformou uma silenciosa tristeza, podia sentir a melancolia entrando cada vez mais fundo em mim, estava tomando conta de toda a minha carne.
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Abri os olhos e o breu voltou a dominar o meu quarto, não manifestei nenhuma reação, apenas continuei na minha depressão, sentia a minha face mole, derretida, como se a pele se desgrudasse do rosto. Permaneci com esta expressão até levar um susto e olhar repentinamente para a janela.
Um vento subitamente abriu a janela, podia ver o vento, ele entrou devagar, foi bem forte a pancada na janela, mas ele entrou devagar. A luz da lua deixava o meu quarto meio iluminado e na minha frente podia ver o vento andando em circulo, até que em um movimento subiu ao teto e desceu com grande força sobre a cama. Vi-me sendo carregado para dentro da cama e depois para o interior da terra. Estava tudo muito escuro e pequenos objetos vinham ao meu encontro. Em um estralo estava parado, no meu quarto. Estava no tempo futuro, futuro próximo, e ali pairando sobre minha cama, pude ver-me sentado junto ao computador assistindo o vídeo pornográfico. Não permaneci no lá por muito tempo, o vento me empurrou para a parede e a escuridão voltou, sentia estar voando bem rapidamente, até para dentro do mercado, e mais uma vez me vi roubando futilidades da prateleira. Depois de alguns minutos, depois de ter quase enchido a bolsa, pairando sobre o ar, que eu pude entender. Não vou mudar. Sou um lixo e sempre serei. Talvez o que me mantinha vivo era a esperança em que um dia eu poderia mudar, talvez se eu me esforçasse, e me dedicasse, poderia tornar uma pessoa melhor. Mas nesse instante pude ver claramente que nunca conseguiria mudar, mesmo se usasse toda a minha força, sempre seria o ser imundo, imoral que era.
Agora não chorava de desespero, nem fiquei em silencio por melancolia, mas juntara os dois, chorava lentamente de melancolia. Senti-me inconsolável, era como anda com uma pedra de 200 Quilos nas costas.
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Enquanto chorava percebi estar de volta ao meu quarto, mas pouco interessava. Sentia que ia ficar parado lá para sempre, até morrer de fome, de sede. Não havia nada que me levantasse. Percebi que o primeiro espírito, o de luz amarelada voltou ao quarto, o de material inconsistente voltava a crescer sob o teto, e vento forte andava em circulo ao lado de minha cama.
Mas pouco me importava tudo aquilo, não havia nada a mais para mostrar. Já tinha me visto por inteiro, toda a minha imundícia. E percebi que os espíritos também sabiam disso, pois não faziam nada, mas permaneciam presentes e não pareciam querer ir embora.
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Olho para o lado e vejo uma gota escorrendo pela parede, ao lado da minha cama. Esta gota escarlate é seguida de outra, que deixa a sua cor ainda mais viva. Tão rapidamente a quantidade do liquido vermelho vai crescendo em um instante me sinto sob uma cachoeira, não posso ver mais nada, apenas água vermelha. E isso é tão bom, até parei com o choro. Isto é muito refrescante, nem vejo mais a pedra sobre meus ombros. Alivio. Já estou completamente coberto e quero mais, quero ir mais fundo nem lembro mais como me sentia, sabia apenas que era algo ruim, obscuro. Mas isto é suave, é sereno, refrescante. Quero mais.

Agora estou em meu quarto, é dia, o Sol já amanheceu. Não há nenhum espírito a vista. Sinto como acordado de um sonho pesado. É como tomar banho e colocar roupas limpas. Posso até me sentir mais vivo, percebo melhor a minha pele, compreendo nitidamente o ar entrando pelo meu nariz e indo para os pulmões. Como é gostoso respirar. Coloco a mão no peito e posso notar um bater, sinto que tenho um coração. Ah, quem será que fez isso em mim, quero voar, correr, sentir as minhas pernas. Lá fora, pela janela vejo um homem. Ele tem um rosto sereno, acho que foi ele quem me deu uma chuva de escarlate. Ele esta me vendo. Esta me chamando. Vou com ele. Vou correndo.
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Num salto pulei a janela, fui ao encontro do homem, falei “obrigado” e o segui.